segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

DITADURA

AI-5 – Em nome da Segurança Nacional
Anos de Chumbo e Era dos Desaparecidos

crédito: Marlene Gandra
Marli vivenciou a ditadura...em silêncio



A artista plástica Marli Rodrigues conta um pouco dos acontecimentos

Marlene Gandra

O AI-5 (Ato Institucional 5) foi decretado no dia 13 de dezembro de 1968, pelo general Costa e Silva (presidente militar do Brasil). Naquela data os militares fecham o Congresso, cassam os mandatos eletivos, intervêm nos Estados sem limitações, confiscam bens, suspendem direitos políticos e baixam a censura, fecham jornais; manifestações artísticas sofrem severas repressões, representatividades de classes são extintas, líderes cassados e presos.
A artista plástica Marli Rodrigues viveu esta época de perto. “Ser estudante era uma profissão perigosa. Eu participava, em 1968, do Grupo de Teatro do Estudante da UED (União Estudantil de Divinópolis), que tinha Osvaldo André de Mello como diretor. Eu estava distribuindo panfleto da peça Alguma Coisa de Grave Vai Acontecer em Divinópolis, e fui presa, ouvida e liberada”, diz Marli.
Em 1976, a artista foi para São Paulo, fugindo da repressão, pois o grupo teatral havia se dissolvido. “Através de concurso passei a integrar o corpo executivo da Caixa Econômica do Estado de São Paulo, tendo como clientes pessoas que conhecia só de nome, que faziam parte da repressão em todo o país, como o maior carrasco da ditadura, delegado Luiz Sérgio Paranhos Fleury, que criou O Cargo de O Coveiro Secreto do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) – destacando um oficial para enterrar suas vítimas em cemitérios clandestinos. O maior deles fica em Perus, São Paulo Capital; Coronel Erasmo Dias, ferrenho opositor dos sindicalistas; o legista Harry Shibatta, que assinava as certidões de óbito dos torturados, inclusive foi o que assinou a de Wladimir Herzog, jornalista e diretor da TV Cultura – torturado e morto no DOI-COID paulista. A Caixa era o agente pagador dos funcionários públicos do Estado. A agência bancária ficava ao lado do DOPS e recebia tributos e autorização de porte de armas”, conta a artista plástica.
Ela expõe que o delegado Fleury reinou absoluto de 1964 a 1979. “Nas suas mãos as pessoas conheciam o horror e a morte em cárceres privados. Torturas e extermínios. Era o comandante do Esquadrão da Morte: pau-de-ararra, cadeira de dragão, choques elétricos, corpos amarrados pelo pescoço, mergulhados em cisternas geladas, pois São Paulo era mais fria que hoje. As mulheres eram estupradas, mortas. Eram colocados ratos em seus úteros”, conta a artista, sobre relatos que ouvia dos familiares das vítimas.
Marli fala que “este inferno existiu. Tinha nome e endereço: Rua Mauá, 61, Campos Elíseos, Centro Velho de São Paulo. Construção de 1914, tem 8.500m quadrados. O local funcionou como Estação de Ferro Sorocabana nos anos 30. Posteriormente ocupada pelo DOPS. Como dizia o jornalista Boris Casóy, a “Casa do Lúcifer”. O DOPS funcionou como braço forte da repressão. Tudo era feito em nome da Segurança Nacional. No departamento eram presos sempre os homens. As companheiras dos presos políticos, idealistas e militantes tinham endereço certo para serem presas, torturadas, estupradas e mortas: Avenida Tiradentes, 451, Bairro da Luz, São Paulo capital. Em frente, está o Batalhão Tobias de Aguiar. A penitenciária foi destruída e atualmente, neste endereço, existe a agência modelo da CAIXA, hoje, Nossa Caixa, Nosso Banco, da qual fui gerente-executiva de 1981 a 1994. A construção é moderna e futurista, com cimento e vidros. Local que enterra tantas maldades. Mas foi conservado o portal soberbo do presídio, por onde adentraram as vítimas para nunca mais sair vivas.”
Hoje, há luz nos porões do DOPS, que produziram muito horror, funcionando a Pinacoteca do Estado de São Paulo, para aqueles que desejam conhecer ou esclarecer e muitos vão para relembrar seus entes queridos. “Lá estão expostos mandados judiciais de busca e apreensões de artistas, políticos e militantes, até ´um tal de Buarque`, - por causa da peça Roda Viva; ´um tal de Adoniran Barbosa – vetando sua música Tiro ao Álvaro; ´um tal de Veloso` - se referindo ao exilado Caetano; Gilberto Gil, Geraldo Vandré (autor de Pra não Dizer que Não Falei das Flores). A música O Bêbado e o Equilibrista – vetada por fazer menção a fatos da ditadura, a Wladimir Hezorg – mencionando o nome de Clarice, sua esposa”, relata Marli Rodrigues.
Os militares criaram frases que enchiam o imaginário dos brasileiros: “Este é um país que vai pra frente”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Pra frente Brasil.”
Um dos ditadores militar, ex-presidente do Brasil disse: “A economia vai bem, o povo vai mal.” O outro presidente do Brasil, o militar João Batista Figueiredo diz: “Prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo.”

A Igreja

Em 1978, com a morte de Wladimir Hezorg, levanta-se uma bandeira em defesa dos presos e desaparecidos. “Uma das mais firmes oposições à Ditadura Militar é engendrada pela Igreja Católica. O bispo Dom Evaristo Arns (de São Paulo) e o rabino Henry Sobel (São Paulo) promovem um culto ecumênico na Praça da Sé, com grande repercussão no país. Um ato público de protesto. O primeiro de massas, com mais de 10 mil pessoas, desde o AI-5. Em Pernambuco, o arcebispo Dom Helder Câmara ( “Bispo Vermelho”) passa a enfrentar a polícia e ditadores, em favor dos militantes políticos”, explica Marli.

Ditadura Militar

Instaurada por Getúlio Vargas, que cria o Estado Novo em 10 de dezembro de 1937, regime que dura até 1945. “No início da década de 60, o Brasil enfrenta período de instabilidade econômica e política, com justificativa de estabelecer a ordem, os militares deram golpe para tomar o poder. O cenário a seguir culmina com o regime militar imposto em 1964. Tomou-se a terrível feição da ditadura. Começa a história dos anos de chumbo, com a decretação do AI-5. E entra a Era dos Desaparecidos.

Ex-presidente Lula

O sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva amargou dias preso no DOPS, em 1978. “Teve licença para sair, escoltado e algemado, para ver o sepultamento de sua mãe. O atual deputado federal José Genoino (PT), que tinha o codinome “Guerrilheiro” , fazia, naquela época, parte da cúpula do PT. Ele também conheceu os porões do DOPS. Carlos Marighella, fundador da Organização Aliança Libertadora Nacional, um dos mais importantes militantes contra a ditadura, é morto numa emboscada comandada pelo delegado Fleury, em São Paulo. Maria Amélia de Almeida Teles, militante do PCdoB paulista é barbaramente torturada no DOI-COID paulista no DOPS, por Fleury”, conta Marli Rodrigues.      

domingo, 23 de janeiro de 2011

FÓRUM DAS LETRAS DE OURO PRETO 2010

CRÉDITO DAS FOTOS: MARLENE GANDRA


A presidente da Confraria Cultural Brasil-Portugal, Fátima Quadros, e a escritora portuguesa Margarida Paredes


O moçambicano Mia Couto autografou seu livro após proferir palestra




Mia Couto e Margarida Paredes

Expressões da literatura contemporânea africana e portuguesa no Fórum das Letras de Ouro Preto


*Marlene Gandra
marlenecult@hotmail.com

O biólogo e escritor moçambicano Mia Couto, filho de portugueses, esteve no Fórum das Letras de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, no dia 15 de novembro de 2010, e explanou sobre o tema Escrita, Liberdade e Transformação do Mundo. E Margarida Paredes, nascida em Coimbra, Portugal, que debateu o assunto: Minha Guerra Alheia: Mulheres Guerreiras, na Vida e na Literatura. O evento aconteceu no Cine
Vila Rica.
Mia Couto relata que é comovente a África vencer a lonjura, não só geograficamente, mas culturalmente. “Estou tão longe do meu país e ao mesmo tempo estou em casa. A literatura pode nos ajudar a questionar perante o mundo. Convida-nos a conhecer outros mundos. Haverá outros figurinos. Gostaria que houvesse uma coisa mais íntima, mais próxima”, fala o escritor que trabalha no intuito de diminuir o sofrimento do povo africano.
O autor diz que somos um conjunto de bactérias (isto está no nosso DNA) e que isso nos ajuda a centrar no resto. “Mais que salvar a terra deve-se valorizar as bactérias, principalmente as feias; a biodiversidade. Não só escrevo, mas trabalho nesta área. Viajo por todo Moçambique. É preciso entender o aquecimento global, as enchentes, enxurradas. Houve um descuido: as florestas foram dizimadas com os rios”, confessa o moçambicano que fala ter dificuldades em se considerar escritor. “Sou um produtor de histórias. E quero não empobrecer, não ter nada para contar.”
O biólogo diz que a terra é um ser vivo. “Salvando a nós, salvamos a terra. Salvar o projeto planetário humano é preciso. Apenas 5% é visível, existem as bactérias. O desafio é redefinirmos nossa relação com a natureza. Um novo olhar conseguido através da arquitetura. Um olhar capaz de escutar. A África ensina a escutar. Demorou um milhão de anos para chegarmos a um milhão de pessoas. Precisamos repensar nossas atitudes.”
  
Margarida Paredes

A autora de único livro (Tibete de África), Margarida Paredes, nasceu em Coimbra, em 1953. Em 1973, deixou, espontaneamente, Portugal, para lutar na Guerra Colonial, na África. “Muitos me chamam de traidora. Sou uma portuguesa que lutou pela independência de Angola (que era colônia portuguesa até 11 de novembro de 1975) ao lado do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Lutei contra meu
país.”
E afirma que o MPLA foi um espaço para ela exercer sua rebeldia. “Tive a reconfigurar a questão da revolução. Tive a pensar. Resolvi apostar na mulher. Em Angola os homens estão a se destruir. A mulher aproveitou até chegar ao poder. A mulher na soberania. Descobri uma comunidade de mulheres lindas pelo sofrimento. As mulheres não mudaram só com a guerra. Mulheres-polícia, mulheres-jornalistas, estão a influenciar o mundo. Em relação à escrita das mulheres, as mulheres na guerra, inventar é criar novo espaço. A literatura é luta.”
Margarida Paredes ressalta que para muitas mulheres a guerra foi uma oportunidade. “Oportunidade de luta pela igualdade. Elas têm outra visão do mundo. Estudaram. Muitas foram assediadas. Se casaram evitando que fossem discriminadas pela sociedade. Enfim, a guerra é uma epopeia perigosa. É heróica, inglória”, diz a escritora.
Depois da independência abandona o Exército Angolano e desenvolve trabalho cultural com crianças-soldado e órfãos de guerra. Regressou a Portugal em 1981. Domiciliada em Lisboa, vive em constantes viagens culturais pela Europa e África. Conhece bem o Brasil. Diz que não tem pátria definida.   
Explica que o idioma português está ganhando mais espaço em Angola. “Enquanto uma mãe fala até seis idiomas, o filho fala apenas o português.”
Destaca que é filha do Império Português. “Sou muito bem resolvida. Não tenho problema de deslocamento. Sou africana, portuguesa e brasileira. Venho de Coimbra. Estou muito castigada. Talvez esta seja a direção que eu escolha para tirar cultura. Uma literatura multirracial. Pertenço a um momento histórico em favor da África. O Imperialismo não marcou só Portugal, mas também a África. Apesar de ser filha de um Império, sou filha também da África.”

Confraria Cultural Brasil-Portugal

A presidente da entidade, Fátima Quadros, foi ao Fórum das Letras de Ouro Preto exclusivamente para conhecer Mia Couto e Margarida Paredes. “É uma honra conversar com estes dois escritores. Falei com eles sobre a Confraria Cultural Brasil-Portugal. E que terei satisfação em recebê-los em minha casa se algum dia puder vir a Divinópolis, como já fizeram os portugueses Tony Correia (ator) e Carlos Alberto Alves (jornalista). Carlos, inclusive, recebe, neste mês de dezembro, homenagem da imprensa portuguesa, em Lisboa, pelos seus 46 anos de profissão. Fiz questão de falar, também, sobre o Jornal Cantares, que sempre apóia não só a Confraria Cultural Brasil-Portugal, mas a classe artística em geral”, relata a mais portuguesa das brasileiras, a escritora Fátima Quadros.
Destacando que Fátima ama tanto Portugal que a decoração de sua casa é toda em estilo português.



*Pertence à Academia Divinopolitana de Letras e à Confraria Cultural Brasil-Portugal




sábado, 22 de janeiro de 2011

Minha Guerra Alheia



É o novo livro de Marina Colasanti

crédito: Marlene Gandra

Marina Colasanti fala com serenidade das guerras que presenciou


Marlene Gandra
marlenecult@hotmail.com
Jornal Cantares (janeiro de 2011)

A escritora Marina Colasanti lança, nacionalmente, Minha Guerra Alheia. Com mais de 30 livros publicados, a jornalista, tradutora e artista plástica, recebeu, em 2010, o maior prêmio literário do Brasil, o Jabuti, pelo seu livro Passageira em Trânsito.
Nascida em Asmara (Eritreia), Etiópia, África, em 26 de setembro de 1937, mudou-se para o Brasil aos onze anos. Mora no Rio de Janeiro e faz palestras e conferências em diversos países.
Marina diz que as pessoas sempre lhe perguntam sobre sua identidade. “Não sei como é ter uma identidade. Querem-me brasileira. Mas será que é só por que moro no Brasil? Eu sou eu, não tenho uma identidade.”
Orgulhosa por destacar a classe feminina, afirma que se acreditasse em reencarnação queria nascer sempre mulher. “Existem mulheres brasileiras que tiram dinheiro da boca da surucucu. Quantas sustentam sozinhas seus filhos, tanto na zona rural quanto urbana. Vivem do minúsculo dinheiro. A mulher não é só doçura, é guerreira.”
Ela fala que honra é conhecimento. “O Brasil está vendo escrever. As mulheres são presenças maiores na poesia. A mulher passou a ter voz teórica consignada. A poesia é terreno, loteamento.”
Citando a poeta Adélia Prato, que foi palestrante no Fórum das Letras de Ouro Preto em novembro de 2010, Colasanti fala com firmeza e como quem se constasse novidade: “Adélia foi bancada por Affonso Romano de Sant’Anna e Carlos Drummond de Andrade. Ela tinha necessidade de se firmar, porque há, por parte dos homens, rejeição voltada ao universo feminino. A mulher vende menos que os homens. As mulheres são as que mais leem ficção e poesia no mundo. Isso é estatística. Affonso é atento ao feminismo.”
Ela reclama que não existe crítica literária. “O público fica perdido mediante uma publicação. O Brasil lança muitas obras por dia. Está faltando respeito crítico. A literatura não tem crítica. É luta sem quartel entre os divulgadores. O livro não divulgado o leitor não compra.”
Ressalta que a história não é feita só de napoleões, mas de pessoas comuns. “Historiadores leram diários de mulheres, de todas as classes sociais, para trazer a vida à claridade. Estes diários mostram a vida nas fazendas, a literatura, a lida com a arte. Arte através da palavra. O emudecimento da mulher. O canome é masculino. Isso para que elas se mantêm dentro do curral linguístico.”
Destaca que o ser humano é sempre realidade. “As mulheres sabem que sobre elas existem um olhar mais severo. Isso é muito estimulante”, comenta a escritora.

Filha de ex-ator italiano Manfredo Colasanti

Em 1936, tropas italianas tomaram Addis Abeda, capital da Etiópia. Frisando que Manfredo, apaixonado por guerras, foi lutar voluntariamente na África em favor de seu país. Em 1941 os italianos são expulsos.
Marina tinha três anos de idade quando sua familia retornou à Itália (lembrando que ela nasceu em 1937), onde presencia a II Guerra Mundial. Relata em seu livro autobiográfico, Minha Guerra Alheia: ‘As bombas caem devagar. Não sei como é possível, com aquele peso. Mas caem lentas ou eu as vi caindo lentas, bem lentas. E sobre a minha cabeça, vindo na minha direção. Não era a mim que elas queriam, não era aquela família deitada no mato o alvo de tanta munição.’
A escritora fala da guerra como se isso fosse coisa normal. Tranquila e sorridente. “Em guerra ninguém sai vencedor? É sabido. Há sempre os cacos para se juntar. Cacos que podem ser corpos mutilados, famintos, destroçados, adoecidos. Cacos que podem ser almas sufocadas, espezinhadas, indignadas, pisadas… Terras inteiras devastadas…”
E questiona: ‘Se a guerra é minha, como pode ser alheia? Se é alheia, como pode ser minha? Se não é minha, pertence a outrem. É uma guerra estranha, estrangeira.’